"Onde houver vida, sempre haverá um Biólogo."



sexta-feira, janeiro 14

O QUE UM SAPO PODE FAZER PELO HAITI?

 Por Herton Escobar (Estadão)

O pequenino sapo terrestre La Hotte (E. glandulifer), de apenas 53 milímetros, era um das
espécies "perdidas" do Haiti, vista pela última vez em 1991. (FOTO: Robin Moore/iLCP)

Faz um ano que só ouvimos notícias terríveis do Haiti, desde que um terremoto devastou ainda mais esse já devastado país do Caribe.

Pois aqui vai uma boa notícia divulgada hoje pela ONG Conservação Internacional: uma expedição científica realizada no sul do Haiti em outubro do ano passado encontrou seis espécies de anfíbios ameaçados e possivelmente extintos, que não eram vistos desde 1991. A pesquisa faz parte do projeto Em Busca dos Sapos Perdidos (The Search for Lost Frogs), que está “caçando” pelo mundo afora uma centena de espécies de anfíbios que não são vistas há mais de uma década. Que elas estão ameaçadas de extinção não há dúvida … mas será que já estão extintas de fato? Com saber? O único jeito é enfiar o pé na lama e correr atrás delas.

Decretar a extinção de uma espécie não é algo simples de se fazer. Como ter certeza de que não existe mais nenhum indíviduo dela solto por aí no meio do mato? Isso pode ser feito com animais relativamente grandes e que habitam áreas restritas, como era o caso do dodô das Ilhas Maurício. Mas com sapinhos e salamandras a coisa é bem mais complicada. Uma espécie pode ser difiícil de achar porque ela é naturalmente rara, ou pode não ser vista com frequência simplesmente porque vive em áreas de difícil acesso e ninguém nunca vai lá procurar por ela.

O raciocínio por trás desse projeto é justamente esse: pegar espécies que não são vistas há muito tempo e ir a campo verificar se elas realmente ainda estão por lá, ou não. (A lista completa, que pode ser vista no site do projeto, inclui 8 espécies brasileiras. Duas delas já foram foco de buscas, mas ainda não foram encontradas.)

O Haiti é o lugar perfeito (no pior sentido possível) para uma busca dessas. Marcado historicamente pela pobreza e pela violência, o país foi quase que totalmente desmatado para a obtenção de lenha e outros usos predatórios dos recursos naturais. Não sobrou quase nada. Só 2%, para ser mais exato, segundo as informações da Conservação Internacional. Mas o pouco que sobrou ainda guarda alguns importantes “tesouros” biológicos da biodiversidade original da ilha.

Entre eles os seis sapos “perdidos”, agora encontrados, que habitam um dos últimos remanescentes de mata do Haiti: as florestas úmidas do Maciço de la Hotte, uma cadeia de montanhas no sudoeste do país que escapou à destruição e é classificada pelo programa Aliança para Extinção Zero como o terceiro local mais importante para conservação no mundo, com cerca de 15 espécies de anfíbios que só existem ali (endêmicas) e em nenhum outro lugar do mundo.

O biólogo Robin Moore, da Conservação Internacional, e sua equipe de pesquisadores ligada ao Grupo de Especialistas em Anfíbios da IUCN, passaram oito dias embrenhados nas montanhas à procura de anfíbios. Encontraram 23 das 49 espécies nativas do país, incluindo 6 que eram consideradas “perdidas”. Não encontraram a espécie “principal” que era o foco da expedição (um sapo chamado E. Glanduliferoides), mas ainda assim valeu a pena.

Uma notícia como essa pode parecer insignificante diante do cenário de destruição e miséria do Haiti. Afinal, quem vai se importar com a extinção de sapos quando a população do país está morrendo de fome e de cólera? De fato, é preciso ser realista e pragmático … o Haiti tem outras prioridades de grande urgência neste momento. Mas é preciso olhar para a extinção de espécies como algo simbólico. Como um alerta.

Claro que grande parte da destruição dos ecossistemas naturais do país foi motivada pela própria miséria e pelo desespero das pessoas. Num primeiro momento, sim, derrubar uma árvore para obter lenha para cozinhar ou ganhar alguns trocados no mercado pode salvar uma vida, ou pelo menos botar comida no prato no fim do dia. No longo prazo, porém, a destruição dos recursos naturais só faz aumentar a desgraça do Haiti. Com a morte das florestas, morrem também os rios. A fertilidade do solo vai embora, levada pelas chuvas. E os haitianos não têm dinheiro para comprar água engarrafada nem fertilizante. Com a morte das florestas, morrem também todos os animais e plantas que vivem dentro delas. Não apenas os sapos, mas espécies comestíveis e polinizadoras também. Sem as florestas, a umidade diminui. O clima fica mais seco e a vida, mais difícil, mais sofrida.

De fato, quanto mais pobre o país, mais valiosos (e menos valorizados) são os seus recursos naturais. Pois eles são gratuitos. E essenciais, apesar de as pessoas não se darem conta disso.

Se o Haiti quiser um dia se reerguer por completo do caos e ser capaz de andar pelas próprias pernas, sem depender de doações internacionais, terá obrigatoriamente que investir na recuperação de seus ecossistemas naturais. O ser humano depende da natureza para sobreviver tanto quanto os sapos. Salvar os sapos numa situação dessas, de certa forma, é salvar a nós mesmos. Imagine só!

 
Um dos rios com nascentes no Maciço de La Hotte. A cor de lama é efeito do desmatamento,
já que não há mais floresta para segurar a terra, que é arrastada pela chuva montanha abaixo.
(FOTO: Robin Moore/iLCP)


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